sexta-feira, 21 de março de 2008

Sobre a Água

Há quinhentos milhões de anos, a quantidade de água é praticamente constante. 70% da superfície da Terra é coberta de água, sendo 97,6%, salgada e apenas 2,4%, doce. Desta minguada porcentagem, 70% se destina à irrigação, 20% à indústria e somente 10% ao consumo humano. Entretanto, apenas 0,7% dos 10% é imediatamente acessível, o restante está nos aqüíferos profundos, nas calotas polares ou no interior das florestas. A renovação das águas é da ordem de 43.000 km cúbicos por ano descarregados nos rios enquanto o consumo total é estimado em 6.000 km cúbicos por ano. Há muita água mas desigualmente distribuída: 60% se encontra em apenas 9 paises,enquanto 80 outros enfrentam escassez. Pouco menos de um bilhão de pessoas consome 86% da água existente enquanto para 1,4 bilhão é insuficiente e para dois bilhões, não é tratada, o que gera 85% das doenças. O Brasil é a potência natural das águas, com 13% de toda água doce do Planeta perfazendo 5,4 trilhões de metros cúbicos. Mas é desigualmente distribuída: 70% na região amazônica, 15% no Centro-Oeste, 6% no Sul e no Sudeste e 3% no Nordeste. Apesar da abundância, não sabemos usar a água, pois 46% dela é desperdiçada, o que daria para abastecer toda a França, a Bélgica, a Suíça e o Norte da Itália. É urgente, portanto, um novo padrão cultural. Dois problemas têm criado o "estresse mundial da água": sua sistemática poluição associada à destruição da biomassa que garante a perpetuidade das águas correntes e a falta generalizada de cuidado no uso da gota d¹água disponível. Ensina Aldo Rebouças: é mais importante saber usar a gota d’água disponível do que ostentar sua abundância. Por ser um bem escasso, nota-se corrida desenfreada à posse privada da água doce. Quem controla a água controla a vida. Quem controla a vida detém o poder. Surge então o dilema:a água é fonte de vida ou fonte de lucro? É um bem natural, vital e insubstituível ou um bem econômico e uma mercadoria? Os que apenas visam lucro, a tratam como mercadoria. Os que pensam a vida, a vêem como um bem essencial a todos os organismos vivos e ao equilíbrio ecológico da Terra. Direito à vida implica direito à água potável gratuita. Mas porque há custos na captação, tratamento, distribuição, uso, reuso e conservação, existe inegável dimensão econômica. Mas esta não deve prevalecer sobre o direito, antes, torná-lo real e garantido para todos. Água doce é mais que recurso hídrico. É vida com todas as suas ressonâncias simbólicas de fecundidade, renascimento e purificação. Isso tem imenso valor mas não tem preço. Se houver cuidado ela será abundante para todos.


Leonardo Boff

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